quarta-feira, dezembro 10, 2014

Mágica

Ontem fui almoçar no shopping e como é de costume passei em frente ao cover do Elvis Presley, que sempre marca presença naquela calçada aos fins de semana. Eu sabia que era o Elvis pois sempre o vejo, mas naquele momento ele não estava travestido, ainda arrumava o equipamento de som com sua calça jeans e camiseta desgastada. Foi então que eu percebi outra coisa acontecendo ao lado, e mais interessante. Uma música instrumental tocava, daquelas emocionantes, misteriosas e motivacionais ao mesmo tempo, que enquanto você ouve fica com um sentimento de "caralho eu posso mudar o mundo e é isso que vou fazer a partir de AGORA". Quando identifiquei de onde vinha o som vi uma menina de uns 8 anos de idade com um sorrisinho tímido no rosto, e logo atrás dela um cara de cavanhaque e cartola, a poucos metros do Elvis. Era um mágico de rua - ou simplesmente um mágico, mas por um momento na minha cabeça existiu a categoria "de rua" - e ele tinha a garotinha como sua assistente, que devia estar apenas passando na calçada momentos antes. 

Parei pra ver o desenrolar da atração e comecei a refletir: "hm, porque será que esse cara virou mágico (de rua) hein? Essa roupa é bem simples, ele deve ter dificuldades financeiras. Será que um dia ele chegou pros pais e disse "quero ser mágico", e saiu de casa? E os pais deles, como lidar com uma situação dessas? Deve ser complicado. Se bem que depende dos pais né. Mas essa cartola barata aí não sei não. Quanto será que ele ganha por dia? Será que consegue se manter aqui em sp sozinho?". Enquanto isso ele fazia uma mágica onde colocava água dentro de um jornal e com a ajuda de sua mini assistente fez a água sumir lá de dentro, sem molhar o jornal nem nada, abrindo as páginas e mostrando que elas estavam no mais perfeito estado. 
"Claro que está, óbvio que tem um recipiente dentro desse jornal guardando a água. Mas que ele disfarça bem, disfarça. Alá, ta devolvendo a água pro copo, tava na cara mesmo. Onde será que ele aprendeu esse truque? No Mister M? Será que ele aprendeu com outros mágicos de rua também quando saiu de casa? Esse jornal ta meio velho já pra-" voltei pra realidade e vi que umas quatro pessoas aplaudiam, e o mágico reverenciava sua tímida e satisfeita assistente para o público. Acordei.

A atração ali continuava a mesma, mas nos meus olhos o espetáculo mudou. Voltei até a ouvir a música emocionante e misteriosa que tocava. A garota assistente estava encantada. Ali não existia dinheiro, trabalho, contas, preocupações, trabalhos de faculdade. Só o que existia era mágica. Ela segurava uma corda cheia de nós e... "meu deus! O mágico desfez um nó com um assopro. Como ele fez isso??" Pra garota nada importava. Quem ele era, de onde ele vinha, quanto ganhava ou o porquê de ter virado mágico. Naquele momento ela era sua assistente e tinha de cumprir seu papel que era ajudá-lo a entregar magia para o público. Seus olhos brilhavam, e tenho certeza que mesmo daqui vários anos vai se lembrar e contar a história de quando era criança e foi assistente de um mágico na Avenida Paulista.

Dessa vez curti o truque todo e aplaudi no final. Me virei e continuei meu caminho pro almoço desejando que mesmo não sendo mais criança pudesse continuar vendo a magia nas coisas. Esquecer por certos momentos que existem problemas, contas pra pagar ou projetos pra terminar. Parar algumas vezes de tentar decifrar tudo, o motivo de certas coisas serem de certas formas e apenas curtir o momento. Se entregar e permitir que o mágico me entretenha, seja ele um cara de cavanhaque e cartola ou qualquer acontecimento da vida. Se preocupar menos em como a mágica é feita nos bastidores e admirar como ela nos é mostrada com todo o cuidado pra não desvendarmos nada e nos encantarmos com ela.

Quem busca muito o sentido das coisas, acaba sentindo nada. Talvez eu fique cada vez mais velho rabugento e ocupado pra isso. Talvez eu consiga não perder o que todos temos quando criança e ter pra sempre olhos atentos e abertos à magia. Mas sei que ontem antes do almoço, ao lado de um Elvis barrigudo, eu vi. Era mágica acontecendo diante dos meus olhos.

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